sexta-feira, 28 de novembro de 2008

As prisioneiras do General

Desde de moleque achava que sua cabeça, agora careca, era uma maquininha de guardar lembranças, porém agora os arquivos eram uma bagunça.

Não estavam organizados por ordem alfabética, nem por assunto, mas a lembrança da Berlim pré-guerras ainda era pintada de cores vivas.

Na arrumação da memória o General deixou aquilo que interessava mais à mão e colocou lá no fundão das gavetas tudo não gostava de lembrar.

Às vezes por descuido de algum neurônio desavisado, uma lembrança importante ia parar no sótão, e aí era uma trabalheira doida para achar a dita cuja, em contrapartida, outras vinham à tona sem ninguém chamar - os seios de uma puta francesa, um regalo nos tempos do “Fuhrer”.

Durante o conflito o General deleitou-se com algumas raparigas de fino trato e outras nem tanto, e carimbou muitos passaportes para o além.

Na tentiva de banir da memória aqueles que bateram as botas sob sua encomenda e apartar um eterno lamentar de prisioneiros, o General montou em sua cabeça um campo de concentração, para onde enviava as lembranças que mais lhe desagradavam.

Por mais que erguesse cercas de arame farpado, e montasse guarda, sempre alguma maldita prisioneira escapava.

A fugitiva percorria-lhe a mente feito um estilhaço, transformava-se em uma torrente que não raramente jogava-o atônito em sua cadeira na varanda até que a lembrança rebelde fosse novamente confinada.

- O patrão está com aquela coisa de novo...

Com o passar dos anos o General desenvolveu uma lerdeza proposital para localizar suas memórias, nada mais perturbador que escancarar esses arquivos arrumados com tanto sacrifício.

A moça da TV chegou de surpresa e fustigou o General com perguntas sobre a guerra, parecia um interrogatório na tenda do inimigo.

Foi uma negação, o General era capaz de desfilar um rosário de nomes e patentes na sua língua mãe, mas quando se tratava de suas a/desventuras na guerra, sob o pretexto da idade, dizia com um sotaque indiscutível que só se lembrava de uma fumaça densa que o sufocava aos poucos.

De fato a fumaça o sufocava, ele se vê de uniforme, lembra-se até das botas, sente o cheiro da morte, da pólvora, do perfume francês.

- Velho nazista! Caralhos me fodam se eu sair daqui sem uma matéria.

A jornalista mudou a pauta para não perder a viagem, depois de um “olé” do General, lá se foi a moça furiosa com uma história bucólica para editar.

O velho militar tornou a soltar o pastor alemão no quintal, sentou-se na varanda, e com voz de comando enfileirava as memórias fugitivas para novamente envia-las ao campo de concentração.

O armistício tardou a chegar, e todas suas memórias prisioneiras foram sufocadas em uma câmara de gás.

O General preservou do seu holocausto apenas as lembranças das putas de Paris e algumas ruas de Berlim.

-Malucou de vez, o patrão não lembra nem o que comeu no almoço.

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Making-Off
Duelo de crônicas com o Grupo NASCO -Tema LEMBRANÇAS

2 comentários:

Eduardo disse...

Putz nem lembrava deste duelo .....

jacare disse...

Caraca, brilhante este texto. Abreijos procê