domingo, 25 de outubro de 2020

Os gêmeos

 Dois galego vermeio nascido na lua minguante, só pode alma errante. 

 Diz que o menino que saiu primeiro já trouxe o outro puxado pela  mão. Um Jão Pedro, o outro Pedro Jão. Dorme junto, chora junto. Piquiticos demais, vinga não. 

 Em cada ponta do berço dos mirrados, um Cosme, outro  Daminhão, haja canja, reza e manjericão.

Já rapaizinho, Pedro Jão foi desenganado, pumirdi de doença de nó nas tripa, Jão Pedro, amargado na tristeza fez da cachaça sua fortaleza. 

 O pangaré torna Jão Pedro pra casa,  zigue-zague de formiga,  empacou na poeira rasa.

O caboclo beudo*, praguejou, sacudiu  puxou ... de nada adiantou,  caiu e mirou a noite anuviada, viu o vulto do terror. 

Cas costa na terra batida , olhou traveiz pra riba, e achou quem não procurou.

Não localizei o Autor da "foto" 

O Capa-Preta amuntado na mula sem cabeça. 

O SeuCapa-Preta faz o que nessas paragens cheidi  mata-burro que rebenta, mais essa medonha que sorta  fogo pelo zóio e pelas venta? 

Minha senda é vagar misturado cos bicho feio*, espreitar na treva, montar plantão na encruzilhada, assombrar na relva molhada. 

Guardar as janela das moça-flor, que marmanjo não há de pular, brincar cos cachorro brabo, tem muita alma penada pra pastorear.

Fazer recolhe de desalmado, e recoiê um bão moço aqui, outro acolá,  pre’esse serviço de cata-jeca é bão assim, noite sem luar, tempestade rodeano no mato alto relampejano. 

O do além, em formato de moreno pantaneiro ajeitou o chapéu, encarou o galego,  esporou  a macabra e sumiu em rastro de capa que avoua e fumaça assombrada. 

O vermeio não deu conta de acompanhar, quanto mais corria, mais não saia do lugar. 

Largue-di-mão da sofrência, deixa essa dor pra lá,  onde nóis vamu tem pasto bonito, corredeira e pomar, é onde seu pai e seu vô já está. 

Ao cantar do galo, a moça meio velha chorava na porta.  

Diz que antes da tempestade desabar, o desenganado foi visto na garupa do Capa-Preta, ingual rastilho de cometa. 

Não é porque eu vi que existe,  e não é porque eu não vi que não existe. 

 Making-off 

Causo em  prosa rimada da roça, ou rima prosada, vai para Dona Mariusa que sabe maismió dos combinamento de rima. 

* Beudo, termo caipirez para: alcoolizado, chapado e bem louco.  Quem nunca? 

*Bicho feio* sempre tem ... pergunta pro Almir e pro Renato

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

BENDITA SEJA

Bendita seja a previdente alma que plantou pés de manga à beira do acostamento, nessa sombra boa a gente se escondeu do sol marvado. 

 Era caso de pneu traseiro furado,  no norte do Paraná, ou quase,  deixa o anjo da guarda trabalhar, mangalô 3 veiz,  comemos umas mangas. 

O cabra que foi chamar o guincho era a esperança derradeira de alguma hidratação. Quedê a água?   Só tinha copo de plástico para pegar no bebedouro,  colocou a moto no descanso. E porque você não trouxe??? Ara Seja, tenha dó. 

O cartaz "COM SEDE" não logrou êxito, o socorro chegou mas também não tinha água, mas havia  cidade perto, em Andirá tem oficina de moto, e borracharia, pomordi  de desmontar, montar,  remendar e se fartar com toda água do posto de gasolina.

Lá,  paramos as motocas na sombrinha da borracharia, em frente  a oficina  Moto Zão, a turma apresentou as ferramentas e o Zão  sacou a roda traseira, trabalheira danada... 

Eu que não sei tirar roda,  já me acabava em água e suco de laranja, quando ele se achegou, carinha suja de graxa,  jeito meio amuado, cavucando uma chance,  curioso que só. 

Toma suco menino, tá muito calor, ele aceitou. 

Porque vocês não viajam de noite que não é tão quente? Está vendo aqueles quatro tiozinhos ali do outro lado da rua, desmontando a moto branca? Eu viajo com eles, você acha que algum deles enxerga alguma coisa de noite??? O menino riu e fez que não com a cabeça. Esperto. 

Moça, quantos cavalos tem a sua moto? Cavalo eu não sei não, serve cilindrada? Serve.  Tem 1340. E essa?  E essa?  Embreage dura né moça?!

 Da onde vocês tão vindo? Que horas sairu? E tão ino onde? 

Vamos perto de Mauá da Serra. Fez cara  de entendido, mas não era isso que ele queria saber de verdade. 

Vocês num para nunca? Como assim não para nunca? Ué, assim, sempre ino de um lugar no outro e depois no outro... 

Concluí que o curiosinho,  pensava que éramos nômades MadMax e que vivíamos em busca de aventuras, gasolina, e água, (até que não seria ruim). Não sendo boa mentirosa, solapei as ilusões do menino.  

Paramos sim, aquele ali ó, é meu marido,  a gente tem casa, emprego e cachorros, ai que saudades... 

A carinha dele se iluminou.  Transformei algo intangível em um sonho realizável.  Do que você trabalha? De coisa de escritório, e você estuda? Estudo sim senhora, estou no terceiro ano. Eu tenho um cachorro também,  e meu pai trabalha aqui na borracharia eu ajudo ele .... blá... blá ... blá 

A moto ficou pronta, perái gente, vou me despedir do menino... vai logo... ôw... ele foi o cara mais legal com quem eu conversei nessa viagem!!! Nooooosssa acabou com a gente. Tchau Eduardo! Um leve toque de mão feito soquinho selou a amizade. 

Partimos, porém  22 km depois, perto de outra sombrinha, o pneu do Marcelo furou de novo, e a gente sem água outra vez , não teve piada que salvasse, e foram muitas as patifarias de milho e corda para animar o amigo. Ele foi com o guincho, e nós seguimos no batidão carburado. 

A tradição que remonta aos idos de 1903,  reverbera: viagem azeda ninguém esquece. 

A moto foi para uma oficina em Londrina e a gente fez um pitstop lá, a jornada findou alumiada  pela lua cheia, depois de 15 horas na pista.

 O acesso à pousada era uma estradinha cascalhada do capiroto, e eu cansada demais para xilicar total, ralhei  mais que panhead empacadeira, mas cheguei. 

O pessoal do 1º Only Evo Brasil que acompanhou nossa sina pelo whattsap e a equipe do Recanto Pinhão nos receberam com  comida boa e muita prosa.

 A Dani  (da Dani Motos ) e o Cleiton (da Dani), dividiram o chalé com a gente.

O Marcelo e o Alexandre desavisados, acamparam ao lado do galinheiro e acordaram cedo, culpadas essas galinhas d’angola. 

A Dani fez correções pontuais, são cachorrinhos d’angola, eu concordei. 

No sábado me taquei na cachoeira, dormi e comi até morrer, mais gente fez o mesmo. 

 A tarde chegou de mansinho, teve show de Blues, muita lorota,  confraternização, e comilança. 

As evos  mais legais do mundo estavam lá vertendo óleo na grama. Pense uma visão do paraíso, tudo aqueles pisca-alertas ligados e nenhum carburador magoado. 

Teve dentista  violeiro que sacou a viola do sissy bar e esbanjou  moda de viola e outros musicamentos, um causo esquisito de camisola azul na penumbra, e outro de tumba que aresponde, num sei só sei,  que foi assim.  

Eu que sou malvadona, tomei chá de cidreira e só recolhi quando a música acabou.

Diz a lenda que a estradinha cascalhada from hell, causou um leve mal estar em alguns marmanjos, que as minas bikers muito fodas passaram numa boa e ... diz ainda que uma encardida fez feio quando a moto corcoviou, e  hipoteticamente teria comido um pouco de poeira, feito roxo nas canelas e sofrido  de "baixa moto estima" uns 137,5 km, antes de se recuperar do drama.  Ainda especulando, pode ser que o Cangaceiro quando a viu espatifada no chão, teria tombado levemente e que umas franjas de plataforma se fizeram vassoura em terra vermeia. 

Um por imperícia, outro por solidariedade. Iquenhequisabe? 

A pontinha do manete quebrado,  prova material inconteste de que tal evento realmente teria acontecido, até o momento não foi localizada no perímetro. 

Ela talvez jaz nas profundezas do bolso de uma jaqueta. R.I.P. pontinha quebrada, e não se fala mais nisso. 

Tudo coisa que não dá para não lembrar.