quinta-feira, 5 de novembro de 2020

O Malvadão e a Loira do Banheiro

Diz que chapado até umas horas o cara levantou cambaleante e entre palavrões e chutes fechou a bosta da torneira do banheiro,  bastou para começar os pingamentos no chuveiro.  Puta que pariu, só fechando o registro. 
Ancorada no batente da porta, a Loira estava curiosa com as pinturas na pele do moço. 
Como você chama? Maria Augusta, e sua graça qual é?  Ricardo André, ao seu dispor, emendou ao doce galanteio, um recatado pedido de licença para vomitar  no vaso. 
Dormiu abraçadinho na privada, e a beldade ectoplasmática evaporou-se. 
O motoqueiro afiou os ouvidos para o pinga-pinga da torneira, mas não carecia,  um cheiro de flor precedia  a chegada da misteriosa.  
A cada aparição, a loiruda permitia mais ousadia rapaz.
Uma noite dessas ele lhe tirou delicadamente os algodões das narinas, antes de beijar os lábios cor de rosa. 
Diz que a do cabelo dourado deixou-se seduzir pelo o motoqueiro malvadão.


Mansão do Visconde de Guaratinguetá 

Making-off 

  Se a Ossuda do Seo Saramago se apaixonou  em As     Intermitências da Morte, a Loira do Banheiro não ficaria  de ficar patráis? 

Pintura - Maria Augusta de oliveira 
Museu Conselheiro Rodrigues Alves 
  A Loira   existiu em carne,     osso e louritude, 
nos idos de 1900. Era a rebelde filha de um Barão do café de Guaratinguetá, que fugiu de um casamento arranjado com um tiozão, e foi curtir a vida adoidado em Paris, de onde só voltou mortinha. 
Não o se sabe o que a teria ceifado, contam que a linda assombração procurava por água, por causa que desidratou de  tempo que demorou para ir para o tumbalo, o que explica o pingar das torneiras. 
Diz a lenda  que ela passou a assombrar o casarão onde vivia a família, e quando o casarão foi virado em escola, ela não se intimidou, e tacou é fogo em tudo.
Ao mistério que é por excelência um mutante insondável,  mesclaram-se outras lendas ... Já ouvi até que a Loira é ruiva. 

Não é porque eu vi que existe, e não é porque eu não vi que não existe. 


FONTES Livro História e Memória da Escola Complementar de Guaratinguetá (1906-1913), de Debora Maria Nogueira Corbage; site G1; blog Fontes Primárias no Vale do Paraíba

domingo, 25 de outubro de 2020

Os gêmeos

 Dois galego vermeio nascido na lua minguante, só pode alma errante. 

 Diz que o menino que saiu primeiro já trouxe o outro puxado pela  mão. Um Jão Pedro, o outro Pedro Jão. Dorme junto, chora junto. Piquiticos demais, vinga não. 

 Em cada ponta do berço dos mirrados, um Cosme, outro  Daminhão, haja canja, reza e manjericão.

Já rapaizinho, Pedro Jão foi desenganado, pumirdi de doença de nó nas tripa, Jão Pedro, amargado na tristeza fez da cachaça sua fortaleza. 

 O pangaré torna Jão Pedro pra casa,  zigue-zague de formiga,  empacou na poeira rasa.

O caboclo beudo*, praguejou, sacudiu  puxou ... de nada adiantou,  caiu e mirou a noite anuviada, viu o vulto do terror. 

Cas costa na terra batida , olhou traveiz pra riba, e achou quem não procurou.

Não localizei o Autor da "foto" 

O Capa-Preta amuntado na mula sem cabeça. 

O SeuCapa-Preta faz o que nessas paragens cheidi  mata-burro que rebenta, mais essa medonha que sorta  fogo pelo zóio e pelas venta? 

Minha senda é vagar misturado cos bicho feio*, espreitar na treva, montar plantão na encruzilhada, assombrar na relva molhada. 

Guardar as janela das moça-flor, que marmanjo não há de pular, brincar cos cachorro brabo, tem muita alma penada pra pastorear.

Fazer recolhe de desalmado, e recoiê um bão moço aqui, outro acolá,  pre’esse serviço de cata-jeca é bão assim, noite sem luar, tempestade rodeano no mato alto relampejano. 

O do além, em formato de moreno pantaneiro ajeitou o chapéu, encarou o galego,  esporou  a macabra e sumiu em rastro de capa que avoua e fumaça assombrada. 

O vermeio não deu conta de acompanhar, quanto mais corria, mais não saia do lugar. 

Largue-di-mão da sofrência, deixa essa dor pra lá,  onde nóis vamu tem pasto bonito, corredeira e pomar, é onde seu pai e seu vô já está. 

Ao cantar do galo, a moça meio velha chorava na porta.  

Diz que antes da tempestade desabar, o desenganado foi visto na garupa do Capa-Preta, ingual rastilho de cometa. 

Não é porque eu vi que existe,  e não é porque eu não vi que não existe. 

 Making-off 

Causo em  prosa rimada da roça, ou rima prosada, vai para Dona Mariusa que sabe maismió dos combinamento de rima. 

* Beudo, termo caipirez para: alcoolizado, chapado e bem louco.  Quem nunca? 

*Bicho feio* sempre tem ... pergunta pro Almir e pro Renato

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

BENDITA SEJA

Bendita seja a previdente alma que plantou pés de manga à beira do acostamento, nessa sombra boa a gente se escondeu do sol marvado. 

 Era caso de pneu traseiro furado,  no norte do Paraná, ou quase,  deixa o anjo da guarda trabalhar, mangalô 3 veiz,  comemos umas mangas. 

O cabra que foi chamar o guincho era a esperança derradeira de alguma hidratação. Quedê a água?   Só tinha copo de plástico para pegar no bebedouro,  colocou a moto no descanso. E porque você não trouxe??? Ara Seja, tenha dó. 

O cartaz "COM SEDE" não logrou êxito, o socorro chegou mas também não tinha água, mas havia  cidade perto, em Andirá tem oficina de moto, e borracharia, pomordi  de desmontar, montar,  remendar e se fartar com toda água do posto de gasolina.

Lá,  paramos as motocas na sombrinha da borracharia, em frente  a oficina  Moto Zão, a turma apresentou as ferramentas e o Zão  sacou a roda traseira, trabalheira danada... 

Eu que não sei tirar roda,  já me acabava em água e suco de laranja, quando ele se achegou, carinha suja de graxa,  jeito meio amuado, cavucando uma chance,  curioso que só. 

Toma suco menino, tá muito calor, ele aceitou. 

Porque vocês não viajam de noite que não é tão quente? Está vendo aqueles quatro tiozinhos ali do outro lado da rua, desmontando a moto branca? Eu viajo com eles, você acha que algum deles enxerga alguma coisa de noite??? O menino riu e fez que não com a cabeça. Esperto. 

Moça, quantos cavalos tem a sua moto? Cavalo eu não sei não, serve cilindrada? Serve.  Tem 1340. E essa?  E essa?  Embreage dura né moça?!

 Da onde vocês tão vindo? Que horas sairu? E tão ino onde? 

Vamos perto de Mauá da Serra. Fez cara  de entendido, mas não era isso que ele queria saber de verdade. 

Vocês num para nunca? Como assim não para nunca? Ué, assim, sempre ino de um lugar no outro e depois no outro... 

Concluí que o curiosinho,  pensava que éramos nômades MadMax e que vivíamos em busca de aventuras, gasolina, e água, (até que não seria ruim). Não sendo boa mentirosa, solapei as ilusões do menino.  

Paramos sim, aquele ali ó, é meu marido,  a gente tem casa, emprego e cachorros, ai que saudades... 

A carinha dele se iluminou.  Transformei algo intangível em um sonho realizável.  Do que você trabalha? De coisa de escritório, e você estuda? Estudo sim senhora, estou no terceiro ano. Eu tenho um cachorro também,  e meu pai trabalha aqui na borracharia eu ajudo ele .... blá... blá ... blá 

A moto ficou pronta, perái gente, vou me despedir do menino... vai logo... ôw... ele foi o cara mais legal com quem eu conversei nessa viagem!!! Nooooosssa acabou com a gente. Tchau Eduardo! Um leve toque de mão feito soquinho selou a amizade. 

Partimos, porém  22 km depois, perto de outra sombrinha, o pneu do Marcelo furou de novo, e a gente sem água outra vez , não teve piada que salvasse, e foram muitas as patifarias de milho e corda para animar o amigo. Ele foi com o guincho, e nós seguimos no batidão carburado. 

A tradição que remonta aos idos de 1903,  reverbera: viagem azeda ninguém esquece. 

A moto foi para uma oficina em Londrina e a gente fez um pitstop lá, a jornada findou alumiada  pela lua cheia, depois de 15 horas na pista.

 O acesso à pousada era uma estradinha cascalhada do capiroto, e eu cansada demais para xilicar total, ralhei  mais que panhead empacadeira, mas cheguei. 

O pessoal do 1º Only Evo Brasil que acompanhou nossa sina pelo whattsap e a equipe do Recanto Pinhão nos receberam com  comida boa e muita prosa.

 A Dani  (da Dani Motos ) e o Cleiton (da Dani), dividiram o chalé com a gente.

O Marcelo e o Alexandre desavisados, acamparam ao lado do galinheiro e acordaram cedo, culpadas essas galinhas d’angola. 

A Dani fez correções pontuais, são cachorrinhos d’angola, eu concordei. 

No sábado me taquei na cachoeira, dormi e comi até morrer, mais gente fez o mesmo. 

 A tarde chegou de mansinho, teve show de Blues, muita lorota,  confraternização, e comilança. 

As evos  mais legais do mundo estavam lá vertendo óleo na grama. Pense uma visão do paraíso, tudo aqueles pisca-alertas ligados e nenhum carburador magoado. 

Teve dentista  violeiro que sacou a viola do sissy bar e esbanjou  moda de viola e outros musicamentos, um causo esquisito de camisola azul na penumbra, e outro de tumba que aresponde, num sei só sei,  que foi assim.  

Eu que sou malvadona, tomei chá de cidreira e só recolhi quando a música acabou.

Diz a lenda que a estradinha cascalhada from hell, causou um leve mal estar em alguns marmanjos, que as minas bikers muito fodas passaram numa boa e ... diz ainda que uma encardida fez feio quando a moto corcoviou, e  hipoteticamente teria comido um pouco de poeira, feito roxo nas canelas e sofrido  de "baixa moto estima" uns 137,5 km, antes de se recuperar do drama.  Ainda especulando, pode ser que o Cangaceiro quando a viu espatifada no chão, teria tombado levemente e que umas franjas de plataforma se fizeram vassoura em terra vermeia. 

Um por imperícia, outro por solidariedade. Iquenhequisabe? 

A pontinha do manete quebrado,  prova material inconteste de que tal evento realmente teria acontecido, até o momento não foi localizada no perímetro. 

Ela talvez jaz nas profundezas do bolso de uma jaqueta. R.I.P. pontinha quebrada, e não se fala mais nisso. 

Tudo coisa que não dá para não lembrar.

sábado, 22 de agosto de 2020

MOÇA DA ESTRADA

O causo é que  a vontade de passar a madrugada acalentado por formosa morena  fez o cabra engastalhar o caminhão no barro até as tampas.  

Toda a chuva do juízo final fora derramada naquelas paragens,  no retrovisor enlameado reluziu uma luz azul.

Um caminhão emparelhou, Fique sereno seu moço que vou lhe tirar desse cortado, sorriu a Moça Caminhoneira.

Ajude aqui menino a prender o cabo, vem ligeiro antes que o mundo se acaba em água e noite sem lua.

Diquejeitoquifoi, ninguém sabe, ninguém viu.

Encontro co senhor, ali no posto mais adiante, engatou marcha , e arrancou em trovoada. 

Na duvidança, o desatolado tentou acompanhar, mas a Dona da Noite não largou rastro patraís. 

Ancorado no posto perguntou por ela, Fio do céu, o rapaz do posto mostrou o recorte de jornal desbotado,  o cabra confirmou em desalento. 

Foi trombada feia por essas bandas, diz que de quando em quando a Moça socorre os companheiros de estrada, e depois vorta avuando pro lado de lá, coisa mai linda que já passou aqui nessa lonjura de mundo, pense moço um caminhão, carregado de estrela caía,  tudinho iluminado de azur, caquela morenona no piloto, coisa mai linda.  


Não é porque eu não vi que não existe,  e não é porque eu vi que existe.

Making-Off 

1ª da Série  Assombração Empoderada - Blog da Encardida 2020 

Descaradamente inspirada no Lado B - Moça Caminhoneira - (Carlos Cézar e José Fortuna)  do LP Os Cowboys Andarilhos - Carlos Cézar e Cristiano -  1982

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

TINHOSA

 Êita palavra tinhosa, ferramenta do pensamento escorregadio, passano ligeira,  amassadinha no trem, esparrama pelos trilhos, nem aporta na estação. 

Quijeitoqui o Poeta faz para verter esse combinamento de palavra bonita, que orna uma ca outra, virada em escrita, tudo ali, feito caminho de formiga bêbada, tinta deslizada no papel? 

Iquenhequisabe, se ele chama no samba e elas chegam em cachoeira, será que dasveiz  minguam ao esplendor sol”?  


Vemnimim palavra que orna, apurrinha meu sono também, baixa na sopa de letrinha, faz manha na borra do café, vem no formato de apocalipse, do jeito que ocê quisé.

Transborda em história de beira de estrada, visita o pra lá do acostamento, e torna em causo de assombração, prosa de caipira,  ou história pra boi dormir. Só vemnimim. 

 

Making-off : Humilde homenagem ao mestre dos magos das palavras Paulo César Pinheiro que vi  na TV Cultura um dia desses. 



quinta-feira, 2 de julho de 2020

Causo de Milho

Rescendeu na cozinha o cheiro do milho cozido e revirou-me as gavetas da memória.

Foi uma viagem de carro com meu avô e avó, a tia Val , a Léa e devia ter mais alguém.

Era  depois do almoço, no sítio, todas as tias irmãs da Vó sabiam meu nome e de quem eu era filha, a mesma cara, a mesma teimosia ... eu é que não sabia a cara e a teimosia delas.


Vô porque elas estão ralando milho? Pamonha menina, para fazer pamonha. O que a historiadora não praticante que vos escreve classificaria finamente como Ritual rural feminino do milho, estava mais para o forfé do milho.

Era milho pela cozinha toda, lembro dos óculos das tias respingados de milho, cabelos enmilharados , avental vertendo milho, elas riam umas das outras, enquanto evocavam lorotas e as desgraceiras dos ralamentos do milho no ano passado, tudo cheirava a milho cozido e ninguém me deixou ralar milho nenhum.

Eu que era pequena e não gostava de café, perdi a chance de acompanhar a melhor pamonha de todos os tempos com o café mais maravilhoso do velho Oeste paulista.

Cavuquei e ainda resgatei uns fiapos de lembrança:
O hotel, meio pensão, acho que perguntei de quem era aquela casa e todo mundo riu.
A estação de trem antiga talvez em Arcadas onde tiramos uma foto.
A Léia sacolejando a ponte pênsil que transpunha o rio Pardo e da placa que alertava para não fazê-lo

*Perguntar para a tia Val mais coisas da viagem seria uma trapaça vil e imperdoável, maismiódibão é deixar cheiro do milho cozido preencher as lacunas.

Mesmo assim eu perguntei, a tia debochada  rebateu: Você Nanica, era muito nova para se lembrar e eu  talvez  meio velha para tanto. 

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Xícara Branca

 Bom dia moço, um café pufavor.
O moço atarefado areparou na formosura, e mandou um sorriso de galanteio.
Pois não morena, serviu rápido o café, em um copinho de pinga.
As branquinhas tudo servidas em alvas xícaras, e a preta no copo de pinga?
Encarou o moço e deu as costas ao café, ia elegante amuntada do seu orgulho negro.
Êi morena, volta aqui por favor,  me perdoa, armou a maior cara de gato do Shrek, e ofereceu o café em uma fumegante xícara branca com pires e colherinha. Açucar ou Adoçante?
A preta bonita dessa vez aceitou as desculpas e o café.


*Para M. Madalena