quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Óia o Trem

Nos antecipamentos de  passar, diz que um fumacê branco abre os caminhos na noite.
A neblina ligeirinha se almolda nos trilhos de jeito que vem se abrino tudinha pr'ele passar

Quem vem do Além-Graxa é o Trem Fantasma, a culpada foi a marvada da caldeira, que num último ato de rebeldia se explodiu em ferro tinindo e labaredas vermeias, carregando consigo a alma do trem  mais  meia dúzia nobres almas ferroviárias.

A Locomotiva Macabra, vem do 13º túnel, botano fogo pelas ventas e graceja nos trilhos de novo,  nela os finados, de apego com estrada de ferro, compromissados eternos na luta de domar a caldeira em fúria, das veiz  nem sabem que jazem todos no cemitério de Paranapiacaba. 

Na duvidança, fazes a molecagem :  pões a moedinha no trilho, não sejes mão de vaca e colocas logo a de 1 Real, é garantido que a recuperas, de onde vem e pra onde vai o Trem Sobrenatural, os dinheiros carecem de serventia.

 Não é porque eu não vi que não existe e não é porque eu vi que existe.

* In Memorian - Jacaré *



terça-feira, 10 de dezembro de 2019

CABEÇA DA ANTA

Aí a gente encontra o Serginho em Sorocaba, que eles vão descer pela Serra da Cabeça da Anta.
Serra de quem ? 
Da AAAAAnta!
Tá. 
Assim os últimos dos morning-riders acordaram o coitado do despertador, optamos pelo Rodoanel, e pegamos a Caslelo Branco,  em Sorocaba paramos para esperar os meninos, esse povo também é morning rider e não se fez de rogado. 

Já chegou o Serginho falando do "cocrete" da Cabeça da Anta, que a gente vai tomar café em Tapiraí na Cabeça da Anta e comer o croquete... porque o croquete...  o Sabath reclamando do Serginho que só pensa em croquete e o  Adilsinho, que já passou por ali de tudo quando foi jeito, puxou o trem, e deu as dicas  da estradinha.

O Roteiro combinado é facinho,  de Sorocaba só seguir sentido Pilar do Sul -Piedade-Tapiraí-Juquiá de Juquiá os meninos seguem  na BR 116  para o Sul e eu e o meu Cangaceiro voltamos para casa pela Serra do Café. 

Piedade é conhecida como o Portal das Águas, ôw não dá nem para molhar o pé em uma das cachoeiras? Sendo voto vencido, nem tentei a sorte, volto outro dia. 

A estradinha é daquelas que vai enroscando na Mata Atlântica, muita curva, tudo pista simples, asfalto úmido,  sem espaço para arrependimentos, mas o visual é muito lindo, uma judieira não haver mirante ou quase nenhum acostamento. 

Na Entrada de Tapiraí vi a placa "Capital do Genibre" e meu coração deu até um geladinho, eu já queria parar e encher os alforges de gostosuras gengibrentas... nem deu tempo de consultar a base aliada, tocamos em frente... ai meu pai, volto outro dia também. 

Enquanto eu fazia as curvinhas  só no êêêê boi, torcendo para a minha linda Marcelina desviar dos buracos por conta própria, fomos ultrapassados loucamente por uma turma de Big-Trails, deve de brotar pulga no fiofó deles quando avistam umas HDs jogando óleo na pista né?!?  Nem roguei praga.

Só de xeretice, o nome "oficial” da região  da Serra da Cabeça da Anta é Sertão da Serra de Paranapiacaba a estrada é a SP-79, iquenhequesabia. 

Paramos  no restaurante Cabeça da Anta, por causa do Serginho, do croquete e porque é daquelas paradas de beira de pista do jeito que a gente adora.  

Em frente ao restaurante está a Cabeça da Anta em forma de fonte, que foi instalada em 1936, e tem uma cascatinha ao lado (deu até comichão).

Diz que no começo do Sec. XX uns cavaleiros passavam pela área e houve um desmoronamento e apareceu lá no meio uma anta, ou a cabeça dela ... como ali tinha uma fonte batizaram o lugar de "bica da anta", há também a tecla sap tupi-guarani que traduz Tapiraí como "terra da anta", num sei só sei que foi assim.

Logo já atravessamos para beber a água sagrada da Anta,  que cura mau olhado,  pedra no rim, só não cura vontade de comer "cocrete".

Tira o retrato nosso aí! Rapaiz já pensou a conta de água daqui!
A Anta parece que se mancou do desperdício e parou de jorrar aquela aguaceira toda morro abaixo, o povo que chegou lá de galão em punho saiu magoado, e a gente entrou de fininho no restaurante, pensando em tomar o último café antes do tsunami... 

O moço que serviu o café com croquete disse que nunca viu a cabeça da Anta secar... eu não como croquete, e pedi a "cueca virada" (crostoli para os mais italianos) e ainda levei umas para o lanchinho da tarde. 

Logo que ligamos nossas traquitanas, a água retornou à fonte, mistérios... seguimos até o pé da serra em Juquiá, abastecemos e despedimos dos amigos.

Desapeguei de ver as horas, da previsão do tempo, não fiz conta prévia da kilometragem e me diverti que nem que gente grande.
 


* O Serginho ainda ficou devendo o passeio na Serra da Macaca, ou sei lá eu  qual outro bicho.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Terra de Lobisomem

Nascida e criada na formosa Serra da Mantiqueira,  São João do Curralinho desde sempre deu guarita à assombração e cachoeiras,  é passeio bom para salvar o domingo.

Antes  dos findamentos da I Grande Guerra é que o nome do lugar  mudou para Joanópolis,  visto que o padroeiro já era o São João e por lá passou muito João ilustre : Coronel, construtor, o moço que doou o terreno para erigir o cidade,  fogueteiro, oficial de justiça...  e algum lobisomem,  assim sendo, acertado foi o nomeamento.

Para chegar lá, o caminho mais bonito, consiste não dar bola para o google maps, sair logo da Fernão Dias, e já entrar para Bom Jesus dos Perdões/ Piracaia, a estradinha selada caminho da carroça é cheidicurva,  Mantiqueira já tô te vendo, Serra do Lopo, tô ino aí!

Rodeada de serra por todo lado, a terra do Lobisomem, onde nasce o rio Piracicaba. preserva bastante mata nativa,  é no farejo do perfume de mato orvalhado, seguindo pela Estrada da Cachoeira que chega na Cachoeira dos Pretos, lá tem de comer, de beber, de dormir, de aventurar e de nadar.

Diz que o nome da queda d'agua é pumordi dos escravos,  que honrosamente, lá de cima se tacaram na discordância de tão aviltante condição... a versão mais fitness da história remonta à família de origem portuguesa Preto de Oliveira, que batizou a cascata de mais de 150 metros de altura e o bairro.

Depois do banho de rio, só de zoiudice foi um café com bolo de milho... ai meu pai...

Na volta, valeu esfriar os motores das motocas  e visitar a Parada do Queijo, onde  tem a Dona Marisa e a Bia,  boas de prosa,  elas provaram que causo  de assombração bão mesmo é de  beira da pista,  tem causo de saci virado em nenê que morde, de parente que ao passar a porteira, correu do cachorrão Duque, mas estava mesmo é com o Lobisomem no encalço, de lago que se alumia no meio da escuridão, de converse dos vultos assombrados na estradinha... acompanham os mistérios o cafezinho caipira no fogão à lenha e delícias da roça, difícil mesmo é lembrar do nome e esquecer o gosto do Queijo  do Lobisomem curado nas taubinhas em semana de lua cheia (tá... inventei do peludo pra frente...  o nome certo do queijo é Araxi na Madeira), mas a taubinha é verdade e o queijo é do bom.

Em Terra do Lobisomem,  de tanto  o peludo mostrar as feições nas porteiras, nos  terreiros, no pé da serra,  nas estradinhas de chão, na beira do rio,  no galinheiro, na mata,  na praça e em tudo quanto é canto,  o povo de lá  tratou de fazer amizade com o bichão.

Não é porque eu não vi que não existe, e não é porque eu vi que existe.


https://www.joanopolis.com.br/sobre-joanopolis.html

https://www.joanopolis.com.br/o-lobisomem.html

https://www.joanopolis.com.br/historia/o-porque-joanopolis-e-a-cidade-de-joao.html

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Memórias da escrivaninha

O mistério de estimação da molecada da casa era a escrivaninha do Seu Joãozinho Eletricista.
Tínhamos ganas de revirar às escondidas as gavetas e devassar aquela papelada toda, haveriam fotos antigas? Segredos? Esquemas elétricos dignos de Nikola Tesla...mini engenhocas causadoras de choque? Iquenhequesabia?
Os meninos queriam achar foto de mulher pelada e mapa do tesouro, porém, nunquinha houve colhões.
Em idade avançada, foi o Seu Joãozinho alumiar outras paragens, e ficou a escrivaninha.
Chamou a atenção, na última gaveta, uma pasta de plástico, eu, historiadora não praticante, já mandei logo tirarem o zóio, fiz refúgio no outro sofá e bisbilhotei os arquivos da pasta marrom, os avós mortinhos que me perdoem, vi tudo.
Entre outros achados arqueológicos, compunham o acervo:
Recortes de jornal, em especial um com a foto do Seu Joãozinho, do Seu Ercílio e mais uns camaradas bigodudos; bilhetes que marcavam reuniões secretas, talvez os conspiradores mais idealistas do Cambuci; correspondências bem humoradas do amigo, que presumo eu, combateu na Revolução Constitucionalista de 32, e confessava uma total ausência de talentos bélicos; cartas da Itália para o "Bisô" com o timbre da Barbiere di Rotonda; uma solicitação de transferência da escola particular para a pública, onde Seu Joãozinho findou seus estudos elétricos, a fim de exercer nobre ofício de alumiar, chorei e pronto.
Tinha ainda uns dobradinhos de papel amarelo-folha-dura, que compunham uma trilogia de cartas:
Na primeira, com letra de formiga desencaminhada, e gramática sofrida, Belinha da Fazenda Esmeralda declarava saudades e amor.
A segunda em apaixonada caligrafia magistral, Joãozinho Eletricista da Capital prontamente respondia saudades apocalípticas e amor por toda vida.
Na terceira, a impetuosa caipira, mandou a resposta da resposta que não recebeu e esculhambou.
Talvez explica melhor expor a cronologia da coisa toda:
Carta da Belinha, 11-03-1946
" .... tenho saudade ... a Helena até fica brava comigo porque só falo de você ...."
Em seguida, o suposto rascunho da carta do Joãozinho - sem data, à lápis, era tanto dengo que até dava choque:
".... Relembro os doces momentos em que estamos juntos... " "... Belinha volte o quanto antes... "
Carta da Belinha 16-03-1946 (aquela esculhambando)
"Estou cançada de esperar a resposta da carta que mandei dia 11 por isso quero saber se e falta de tempo ou mal vontade e assim que voce gosta de mim?...... " ... " vou no correio todos os dias só a espera de uma carta e volto muito triste ando 2 quilometros e nada...
Especulo que as cartas seguiam da Capital via algum cata-jeca até aportar em São José do Rio Pardo, talvez na Estação Paula Lima, onde minha impaciente futura avó superestimou a agilidade dos Correios.
Aposto que meu avô respondeu, mas a carta extraviou, e por galhofa ele guardou o rascunho entre as duas outras cartas.
Naquela tarde de profanação, foram lembrados também os quitutes sem igual e o peculiar pavio curto da D. Belinha.

terça-feira, 16 de abril de 2019

AS PRISIONEIRAS DO GENERAL

Agora os arquivos eram uma bagunça de fazer dó.
As memórias não estavam organizadas por ordem alfabética, assunto, ou qualquer marcador.
Na arrumação, o General deixou à mão aquilo que lhe interessa  e colocou lá no fundão das gavetas tudo que não gostava de lembrar.
Por descuido de algum neurônio desavisado, uma lembrança importante ia parar no sótão, ou no porão e aí era uma trabalheira doida para achar a marvada; em contrapartida, outras vinham à tona sem ninguém chamar,  os seios de uma sirigaita francesa, um regalo nos tempos do “Fuhrer”.
Durante o conflito, o General carimbou muitos passaportes para o além.
Na tentativa de banir da memória aqueles que bateram as botas sob sua encomenda e apartar um eterno lamentar de prisioneiros, o General montou em sua cabeça um campo de concentração, para onde enviava as lembranças que mais lhe desagradavam.
Por mais que erguesse cercas de arame farpado, e montasse guarda, sempre alguma maldita prisioneira escapava.
A fugitiva lhe percorria a mente feito um estilhaço, transformava-se em uma torrente que não raramente jogava-o atônito na cadeira de balanço, até que a lembrança rebelde fosse novamente confinada.
Desenvolveu o General uma lerdeza seletiva para localizar suas memórias e evitava fuçar nos arquivos bélicos.
A moça da TV chegou de surpresa e fustigou o General com perguntas sobre a guerra, os campos, a SS...parecia um interrogatório na tenda do inimigo.
Foi uma negação. O General era capaz de desfilar um rosário de nomes e patentes na sua língua mãe, mas quando se tratava de suas a (des)venturas na guerra, sob o pretexto da idade, dizia com um sotaque indiscutível que só se lembrava de uma fumaça densa que o sufocava aos poucos.
Enxergava-se sob a névoa,  de uniforme e botas poeirentas, lembrava  do cheiro da morte nas trincheiras, avistava a terra de ninguém semeada de soldados caídos, e num piscar de olhos estava o General à beira de uma grande vala, destino final de incontáveis corpos esqueléticos. 
Depois do fiasco, a jornalista mudou a pauta para não perder a viagem, e lá se foi, furiosa, com uma história bucólica qualquer para editar.
O velho tornou a soltar o pastor alemão no quintal, e sentou-se na varanda.
Com voz de comando enfileirava as memórias fugitivas para novamente enviá-las ao campo de concentração.
O armistício tardou a chegar, e as memórias prisioneiras foram sufocadas em uma câmara de gás.
O General preservou do seu holocausto apenas as lembranças das raparigas de Paris e algumas ruas de Berlim.
A governanta falou que ele malucou de vez.

* Versão 2019,  Causo publicado na Revista do Arquivo nº08
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/revista_do_arquivo/08/)

quinta-feira, 4 de abril de 2019

ÁGUA SAGRADA


Pumordi de um banho de rio, segue em estradinha de sítio de encontro à serra, só chega quando o caminho  acabar, logo ali depois da ponte, onde a água sagrada que cura e que sara, desliza ligeira em leito de pedra.

Flutuam as palmas das mãos, antes da avalanche de pedrinhas redondas sob os pés precipitarem  o mergulho, engana que é verde o poço  cristalino.


Forte é o fruto da montanha, barulho de água doce não sabe parar, faz eco no vale, verte cheiro de molhado que seca em pedra quente de sol.


Imaculada água da Mantiqueira, no  desfrute de regar tudo em seu caminho, banho de gelo aluminado em arrepio.
Por gosto de deixar levar, vão os ombros ao fluir  transparente da água bonita que acode ao clamor, e abre picada na mata, virada em generosa cachoeira,  corredeira, e remanso.





Quando o frio de viver fizer o beiço roxo, vai à beira, esparrama em grama fresca que o sol tudo há de aquecer.

*Águas de Marambaia

quinta-feira, 21 de março de 2019

DORME O JACARÉ

Balança o voal da janela um ventinho cintilante.
Diz que é o sopro da paz de um Deus arejando a face de quem dorme.
Tem uma luz sagrada quinenqui um por do sol pra sempre a lampejar.
A luz fresca de alecrim que banha e revigora quem dorme.
Se achega ao pé da cama o qual tiver de se achegar e quem dorme já sabe onde e porque está.
Sem dor, nem drama, quem dorme vai acordar a fazer piada na hora que se aprontar.
Em cama branca, resplandecente,  do outro lado do acostamento,  dorme o Jacaré.

 Amigo querido e motociclista inveterado

*20/03/1959
+20/03/2019